Imagens da Filosofia

Imagens da Filosofia

sábado, 2 de outubro de 2010

Filosofia Moderna


René Descartes

O pensamento de Descartes é revolucionário para uma sociedade feudalista em que ele nasceu, onde a influência da Igreja ainda era muito forte e quando ainda não existia uma tradição de "produção de conhecimento". Aristóteles tinha deixado um legado intelectual que o clero se encarregava de disseminar.

Descartes viveu numa época marcada pelas guerras religiosas entre Protestantes e Católicos na Europa - a Guerra dos Trinta Anos. Viajou muito e viu que sociedades diferentes têm crenças diferentes, mesmo contraditórias. Aquilo que numa região é tido por verdadeiro, é considerado ridículo, disparatado e falso em outros lugares.

Descartes viu que os "costumes", a história de um povo, sua tradição "cultural" influenciam a forma como as pessoas pensam naquilo em que acreditam.

O primeiro pensador moderno

Descartes é considerado o primeiro filósofo moderno. A sua contribuição à epistemologia é essencial, assim como às ciências naturais por ter estabelecido um método que ajudou no seu desenvolvimento. Descartes criou, em suas obras Discurso sobre o método e Meditações - a primeira escrita em francês, a segunda escrita em latim, língua tradicionalmente utilizada nos textos eruditos de sua época - as bases da ciência contemporânea.

O método cartesiano consiste no Ceticismo Metodológico - que nada tem a ver com a atitude cética: duvida-se de cada ideia que não seja clara e distinta. Ao contrário dos gregos antigos e dos escolásticos, que acreditavam que as coisas existem simplesmente porque precisam existir, ou porque assim deve ser etc., Descartes instituiu a dúvida: só se pode dizer que existe aquilo que puder ser provado, sendo o ato de duvidar indubitável. Baseado nisso, Descartes busca provar a existência do próprio eu (que duvida, portanto, é sujeito de algo - ego cogito ergo sum- eu que penso, logo existo) e de Deus.

Também consiste o método de quatro regras básicas:

* verificar se existem evidências reais e indubitáveis acerca do fenômeno ou coisa estudada;
* analisar, ou seja, dividir ao máximo as coisas, em suas unidades mais simples e estudar essas coisas mais simples;
* sintetizar, ou seja, agrupar novamente as unidades estudadas em um todo verdadeiro;
* enumerar todas as conclusões e princípios utilizados, a fim de manter a ordem do pensamento.

Em relação à Ciência, Descartes desenvolveu uma filosofia que influenciou muitos, até ser superada pela metodologia de Newton. Ele sustentava, por exemplo, que o universo era pleno e não poderia haver vácuo. Acreditava que a matéria não possuía qualidades secundárias inerentes, mas apenas qualidades primarias de extensão e movimento.

Ele dividia a realidade em res cogitans (consciência, mente) e res extensa (matéria). Acreditava também que Deus criou o universo como um perfeito mecanismo de moção vertical e que funcionava deterministicamente sem intervenção desde então.

Matemáticos consideram Descartes muito importante por sua descoberta da geometria analítica. Até Descartes, a geometria e a álgebra apareciam como ramos completamente separados da Matemática. Descartes mostrou como traduzir problemas de geometria para a álgebra, abordando esses problemas através de um sistema de coordenadas.

A teoria de Descartes forneceu a base para o Cálculo de Newton e Leibniz, e então, para muito da matemática moderna. Isso parece ainda mais incrível tendo em mente que esse trabalho foi intencionado apenas como um exemplo no seu Discurso Sobre o Método.
Lisiane Porto de Vasconcellos

FILOSOFIA COMO QUESTÃO
A filosofia como questão se apresenta como um modo de aprender filosofia a partir de um problema, de uma questão que se coloca num determinado tempo histórico, num determinado contexto cultural, e cujo equacionamento leva à uma tomada de consciência de um aspecto da realidade até então ignorado. Significa perceber que as resposta definitivas não foram encontradas e talvez nunca o sejam, pois, cada resposta, não é, afinal, uma nova questão?
Assim como a filosofia como questão, é tão antiga quanto a filosofia.
A filosofia como questão também tem sua raiz no pensamento grego, e seu principal representante é Heráclito. Para Heráclito, toda a realidade é dotada de dinamismo, as coisas estão em perene movimento.
“Nada é fixo, tudo se modifica “. “Tudo se move”, “tudo escorre“.
A filosofia como questão se coloca de modo radical contra a filosofia como resposta, porque rejeita todo o dogmatismo ou verdades sacralizadas, impostas pela metafísica clássica. Ao invés de caminhar no sentido da abstração, caminho percorrido pela filosofia da identidade, propõe-se a um mergulho no real, no concreto, no individual, e na história.

Seu campo não é o das essências, ou de idéias, mas o da própria vida, onde o sujeito e o objeto se encontram indissoluvelmente ligados, pois um é a condição da existência do outro.
Os maiores representes desta filosofia como questão estão nos pensadores existencialistas e no pensamento dialético, porque concebem o real como um processo histórico no qual é o devir que importa . Para este, não há necessidade de estabelecer limites rígidos ao campo da filosofia: todo objeto pode ser tomado como objeto de reflexão filosófica. Todo objeto para ser compreendido remete ao mundo do qual emerge. Em todo objeto de pensamento, a questão fundamental que se coloca não é sobre a definição de sua essência, mas sobre o sentido de sua existência. E dentro desta visão, a filosofia se coloca com uma inquietação e uma capacidade de recolocar como perguntas as respostas que já foram dadas, levando a cada um de nós a continuar sempre questionando, ou seja, a um filosofar permanente.

Porque a filosofia como questão, não é uma meditação sobre teoria já elaborada, não é um processo de assimilação do que já foi dito a respeito, ou a compreensão do que já foi explicado. Não é a capacidade de estabelecer uma hierarquia entre as teorias mais próximas da verdade .

Lisiane Porto de Vasconcellos

sábado, 20 de fevereiro de 2010

As origens do pensamento grego.

É a própria cidade que se cerca de muralhas, protegendo e delimitando em sua totalidade o grupo humano que a constitui. No local em que se elevava a cidade real - residência privada, privilegiada -, ela edifica templos que abre a um culto público. Nas ruínas do palácio, nessa Acrópole que ela consagra doravante a seus deuses, é ainda a si mesma que a comunidade projeta sobre o plano do sagrado, assim como se realiza, no plano profano, no espaço da Ágora. Esse quadro urbano define efetivamente um espaço mental; descobre um novo horizonte espiritual. Desde que se centraliza na praça pública, a cidade já é, no sentido pleno do termo, uma polis.” (p. 33).
“A filosofia vai encontrar-se, pois, ao nascer, numa posição ambígua: em seus métodos, em sua inspiração aparentar-se-á ao mesmo tempo às iniciações dos mistérios e às controvérsias da ágora; flutuará entre o espírito do segredo próprio das seitas e a publicidade do debate contraditório que caracteriza a atividade política. Segundo os meios, os momentos, as tendências, ver-se-á que, como a seita pitagórica na Grande Grécia, no século VI, ela organiza-se em confraria fechada e recusa entregar à escrita uma doutrina puramente esotérica. Poderá também, como o fará o movimento dos Sofistas, integrar-se inteiramente na vida pública, apresentar-se como uma preparação ao exercício do poder na cidade e oferecer-se livremente a cada cidadão, mediante lições pagas a dinheiro. Dessa ambiguidade que marca sua origem a filosofia grega talvez jamais se tenha libertado inteiramente. O filósofo não deixará de hesitar entre duas atitudes, de hesitar entre duas tentações contrárias. Ora afirmará ser o único qualificado para dirigir o Estado, e, tomando orgulhosamente a posição do rei-divino, pretenderá, em nome desse ’saber’ que o eleva acima dos homens, reformar toda a vida social e ordenar soberanamente a cidade. Ora ele se retirará do mundo para recolher-se numa sabedoria puramente privada; agrupando em torno de si alguns discípulos, desejará com eles instaurar, na cidade, uma cidade diferente, à margem da primeira e, renunciando à vida pública, buscará sua salvação no conhecimento e na contemplação.” (p. 41-42).
“Entretanto, apesar dessas analogias e dessas reminiscências, não há realmente continuidade entre o mito e a filosofia. O filósofo não se contenta em repetir em termos de physis o que o teólogo tinha expressado em termos de Poder divino. À mudança de registro, à utilização de um vocabulário profano, correspondem uma nova atitude de espírito e um clima intelectual diferente. Com os milésios, pela primeira vez, a origem e a ordem do mundo tomam a forma de um problema explicitamente colocado a que se deve dar uma resposta sem mistério, ao nível da inteligência humana, suscetível de ser exposta e debatida publicamente, diante do conjunto dos cidadãos, como as outras questões da vida corrente. Assim se afirma uma função de conhecimento livre de toda preocupação de ordem ritual. Os ‘físicos’, deliberadamente, ignoram o mundo da religião. Sua pesquisa nada mais tem a ver com esses processos do culto aos quais o mito, apesar de sua relativa autonomia, permanecia sempre mais ou menos ligado.” (p. 76-77).
“A razão grega não se formou tanto no comércio humano com as coisas quanto nas relações dos homens entre si. Desenvolveu-se menos através das técnicas que operam no mundo que por aquelas que dão meios para domínio de outrem e cujo instrumento comum é a linguagem: a arte do político, do retor, do professor. A razão grega é a que de maneira positiva, refletida, metódica, permite agir sobre os homens, não transformar a natureza. Dentro de seus limites como em suas inovações, é filha da cidade.” (p. 95)

VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. Trad. Ísis Borges B. da Fonseca. 3. ed. São Paulo: Difel, 1981.

Mitologia


Zeus era senhor do céu e deus grego supremo. Filho mais novo de Cronos e Réia, nasceu no Monte Ida, em Creta. Conhecido pelo nome romano de Júpiter, tinha como irmãos Poseídon, Hades, Deméter, Héstia e Hera, de quem era também marido, e pai de diversos deuses, como Atena, Artemis e Apolo. Zeus sempre foi considerado um deus do tempo, com raios, trovões, chuvas e tempestades atribuídas a ele. Mais tarde, ele foi associado à justiça e à lei. Havia muitas estátuas erguidas em honra de Zeus, sendo que a mais magnífica era a sua estátua em Olímpia, uma das sete maravilhas do mundo antigo. Originalmente, os jogos olímpicos eram realizados em sua honra. Segundo mito, durante muito tempo quem governou a Terra foi o tirano Urano (o Céu). Até que foi deposto por Cronos...

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Especial: Dialogos de Platão



quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

O mito grego da origem da cultura


O mito grego da origem da cultura

Sócrates havia perguntado ao sábio sofista Protágoras se a virtude poderia ser ensinada – já que este se propunha a ensiná-la aos jovens, e inclusive cobrando bem por isso. Será que todos os homens poderiam aprender a ser justos e virtuosos, ou o senso de justiça seria como a música, a matemática ou a retórica – habilidades que requerem não apenas estudo, mas também talento?
A virtude pode ser ensinada?
Protágoras conta, então, uma estória para responder à pergunta de Sócrates.

“Houve um tempo em que só havia deuses, sem que ainda existissem criaturas mortais. Quando chegou o momento determinado pelo Destino, para que estas fossem criadas, os deuses as plasmaram nas entranhas da terra, utilizando-se de uma mistura de ferro e de fogo, acrescida dos elementos que ao fogo e à terra se associam. Ao chegar o tempo certo de tirá-los para a luz, incumbiram Prometeu e Epimeteu de provê-los do necessário e de conferir-lhes as qualidades adequadas a cada um. Epimeteu, porém, pediu a Prometeu que deixasse a seu cargo a distribuição. Depois de concluída, disse ele, farás a revisão final. Tendo alcançado o seu assentimento, passou a executar o plano.

Nessa tarefa, a alguns ele atribuiu força sem velocidade, dotando de velocidade os mais fracos; a outros deu armas; para os que deixara com natureza desarmada, imaginou diferentes meios de preservação; os que vestiu com pequeno corpo, dotou de asas, para fugirem, ou os proveu de algum refúgio subterrâneo; os corpulentos encontravam salvação nas próprias dimensões. Destarte agiu com todos, aplicando sempre o critério de compensação. Tomou essas precauções, para evitar que alguma espécie viesse a desaparecer.
Depois de haver providenciado para que não se destruíssem reciprocamente, excogitou os meios de protegê-los contra as estações de Zeus, dotando-os de pelos abundantes e pele grossa, suficientes para defendê-los do frio ou adequados para tornar mais suportável o calos, ao mesmo tempo que servissem a cada um de cama natural, quando sentissem necessidade de deitar-se. Alguns dotou de cascos nos pés; outros, de garras, e outros, ainda, de peles calosas e desprovidas de sangue. De seguida, determinou para todos eles alimentos variados, de acordo com a constituição de cada um; a estes, erva do solo; a outros, frutos das árvores; a terceiros, raízes, e a alguns, ainda, até mesmo outros animais como alimento, limitando, porém, a capacidade de reprodução daqueles, ao mesmo tempo que deixava prolíficas suas vítimas, para assegurar a conservação da espécie.
Como, porém, Epimeteu carecia de reflexão, despendeu, sem o perceber, todas as qualidades de que dispunha, e, tendo ficado sem ser beneficiada a geração dos homens, viu-se, por fim, sem saber o que fazer com ela. Encontrando-se nessa perplexidade, chegou Prometeu para inspecionar a divisão e verificou que os animais se achavam regularmente providos de tudo; somente o homem se encontrava nu, sem calçados, nem coberturas, nem armas, e isso quando estava iminente o dia determinado para que o homem fosse levado da terra para a luz.
Não sabendo Prometeu que meio excogitasse para assegurar ao homem a salvação, roubou de Hefesto e de Atenas a sabedoria das artes juntamente com o fogo – pois, sem o fogo, além de inúteis as artes, seria impossível o seu aprendizado – e os deu ao homem. Assim, foi dotado o homem com o conhecimento necessário para a vida; mas ficou sem possuir a sabedoria política; esta se encontrava com Zeus, e a Prometeu não era permitido penetrar na acrópole, a morada de Zeus, além de serem por demais terríveis as sentinelas de Zeus. Assim, a ocultas penetrou no compartimento comum em que Atena e Hefesto amavam exercitar suas artes, e roubou de Hefesto a arte de trabalhar com o fogo, e de Atena a que lhe é própria, e as deu aos homens. Desse modo, alcançou o homem condições favoráveis para viver. Quanto a Prometeu, consta que foi posteriormente castigado por esse furto, levado a cabo por culpa de Epimeteu.
XII:
Uma vez de posse desse lote divino, foi o homem, em virtude de sua afinidade com os deuses, o único dentre os animais a crer na existência deles, tendo logo passado a levantar altares e a fabricar imagens dos deuses. Não demorou, e começaram a coordenar os sons e as palavras, a engenhar casas, vestes, calçados e leitos, e a procurar na terra os alimentos. Providos desse modo, a princípio viviam os homens dispersos. Não havia cidades. Por isso, eram dizimados pelos animais selvagens, dada sua inferioridade em relação a estes. As artes mecânicas chegavam para assegurar-lhes os meios de subsistência, porém eram inoperantes na luta contra os animais, visto carecerem eles, ainda, da arte da política, da qual faz parte a arte militar.
À vista disso, experimentaram reunir-se, fundando cidades, para poderem sobreviver. Mas, quando se juntavam, justamente por carecerem da arte política, causavam-se danos recíprocos, com o que voltavam a dispersa-se e a serem destruídos como antes. Preocupado Zeus com o futuro de nossa geração, não viesse ela a desaparecer de todo, mandou que Hermes levasse aos homens o pudor e a justiça, como princípio ordenador das cidades e laço de aproximação entre os homens.
Hermes, então, perguntou a Zeus de que modo deveria dar aos homens pudor e justiça;
- Distribuí-los-ei como foram distribuídas as artes? Estas foram distribuídas da seguinte maneira: um só homem com o conhecimento da medicina basta para muito que a ignoram, verificando-se a mesma coisa com todas as outras artes. Devo proceder desse modo com o pudor e a justiça, ou reparti-los entre todos os homens igualmente?
- Entre todos, disse-lhe Zeus, para que todos participem deles, pois as cidades não poderão subsistir, se o pudor e a justiça forem privilégio de poucos, como se dá com as demais artes.”

PLATÃO. Diálogos: Protágoras. Trad. Carlos Alberto Nunes. De 320-d até 322-d. Universidade Federal do Pará, 1980.

Mito da Caverna

O mito da caverna, também chamada de Alegoria da caverna,foi escrita pelo filósofo Platão, e encontra-se na obra intitulada A República (livro VII). Trata-se da exemplificação de como podemos nos libertar da condição de escuridão que nos aprisiona através da luz da verdade.
Trata-se de um diálogo metafórico onde as falas na primeira pessoa são de Sócrates, e seus interlocutores, Glauco e Adimanto, são os irmãos mais novos de Platão. No diálogo, é dada ênfase ao processo de conhecimento, mostrando a visão de mundo do ignorante, que vive de senso comum, e do filósofo, na sua eterna busca da verdade.

Sócrates – Agora imagina a maneira como segue o estado da nossa natureza relativamente à instrução e à ignorância. Imagina homens numa morada subterrânea, em forma de caverna, com uma entrada aberta à luz; esses homens estão aí desde a infância, de pernas e pescoços acorrentados, de modo que não podem mexer-se nem ver senão o que está diante deles, pois as correntes os impedem de voltar a cabeça; a luz chega-lhes de uma fogueira acesa numa colina que se ergue por detrás deles; entre o fogo e os prisioneiros passa uma estrada ascendente. Imagina que ao longo dessa estrada está construído um pequeno muro, semelhante às divisórias que os apresentadores de títeres armam diante de si e por cima das quais exibem as suas maravilhas.

Glauco – Estou vendo.

Sócrates – Imagina agora, ao longo desse pequeno muro, homens que transportam objetos de toda espécie, que os transpõem: estatuetas de homens e animais, de pedra, madeira e toda espécie de matéria; naturalmente, entre esses transportadores, uns falam e outros seguem em silêncio.

Glauco - Um quadro estranho e estranhos prisioneiros.

Sócrates - Assemelham-se a nós. E, para começar, achas que, numa tal condição, eles tenham alguma vez visto, de si mesmos e de seus companheiros, mais do que as sombras projetadas pelo fogo na parede da caverna que lhes fica defronte?

Glauco - Como, se são obrigados a ficar de cabeça imóvel durante toda a vida?

Sócrates - E com as coisas que desfilam? Não se passa o mesmo?

Glauco - Sem dúvida.

Sócrates - Portanto, se pudessem se comunicar uns com os outros, não achas que tomariam por objetos reais as sombras que veriam?

Glauco - É bem possível.

Sócrates - E se a parede do fundo da prisão provocasse eco sempre que um dos transportadores falasse, não julgariam ouvir a sombra que passasse diante deles?

Glauco - Sim, por Zeus!

Sócrates - Dessa forma, tais homens não atribuirão realidade senão às sombras dos objetos fabricados?

Glauco - Assim terá de ser.

Sócrates - Considera agora o que lhes acontecerá, naturalmente, se forem libertados das suas cadeias e curados da sua ignorância. Que se liberte um desses prisioneiros, que seja ele obrigado a endireitar-se imediatamente, a voltar o pescoço, a caminhar, a erguer os olhos para a luz: ao fazer todos estes movimentos sofrerá, e o deslumbramento impedi-lo-á de distinguir os objetos de que antes via as sombras. Que achas que responderá se alguém lhe vier dizer que não viu até então senão fantasmas, mas que agora, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, vê com mais justeza? Se, enfim, mostrando-lhe cada uma das coisas que passam, o obrigar, à força de perguntas, a dizer o que é? Não achas que ficará embaraçado e que as sombras que via outrora lhe parecerão mais verdadeiras do que os objetos que lhe mostram agora?

Glauco - Muito mais verdadeiras.

Sócrates - E se o forçarem a fixar a luz, os seus olhos não ficarão magoados? Não desviará ele a vista para voltar às coisas que pode fitar e não acreditará que estas são realmente mais distintas do que as que se lhe mostram?

Glauco - Com toda a certeza.

Sócrates - E se o arrancarem à força da sua caverna, o obrigarem a subir a encosta rude e escarpada e não o largarem antes de o terem arrastado até a luz do Sol, não sofrerá vivamente e não se queixará de tais violências? E, quando tiver chegado à luz, poderá, com os olhos ofuscados pelo seu brilho, distinguir uma só das coisas que ora denominamos verdadeiras?

Glauco - Não o conseguirá, pelo menos de início.

Sócrates - Terá, creio eu, necessidade de se habituar a ver os objetos da região superior. Começará por distinguir mais facilmente as sombras; em seguida, as imagens dos homens e dos outros objetos que se refletem nas águas; por último, os próprios objetos. Depois disso, poderá, enfrentando a claridade dos astros e da Lua, contemplar mais facilmente, durante a noite, os corpos celestes e o próprio céu do que, durante o dia, o Sol e sua luz.

Glauco - Sem dúvida.

Sócrates - Por fim, suponho eu, será o sol, e não as suas imagens refletidas nas águas ou em qualquer outra coisa, mas o próprio Sol, no seu verdadeiro lugar, que poderá ver e contemplar tal qual é.

Glauco - Necessariamente.

Sócrates - Depois disso, poderá concluir, a respeito do Sol, que é ele que faz as estações e os anos, que governa tudo no mundo visível e que, de certa maneira, é a causa de tudo o que ele via com os seus companheiros, na caverna.

Glauco - É evidente que chegará a essa conclusão.

Sócrates - Ora, lembrando-se de sua primeira morada, da sabedoria que aí se professa e daqueles que foram seus companheiros de cativeiro, não achas que se alegrará com a mudança e lamentará os que lá ficaram?

Glauco - Sim, com certeza, Sócrates.

Sócrates - E se então distribuíssem honras e louvores, se tivessem recompensas para aquele que se apercebesse, com o olhar mais vivo, da passagem das sombras, que melhor se recordasse das que costumavam chegar em primeiro ou em último lugar, ou virem juntas, e que por isso era o mais hábil em adivinhar a sua aparição, e que provocasse a inveja daqueles que, entre os prisioneiros, são venerados e poderosos? Ou então, como o herói de Homero, não preferirá mil vezes ser um simples lavrador, e sofrer tudo no mundo, a voltar às antigas ilusões e viver como vivia?

Glauco - Sou de tua opinião. Preferirá sofrer tudo a ter de viver dessa maneira.

Sócrates - Imagina ainda que esse homem volta à caverna e vai sentar-se no seu antigo lugar: Não ficará com os olhos cegos pelas trevas ao se afastar bruscamente da luz do Sol?

Glauco - Por certo que sim.

Sócrates - E se tiver de entrar de novo em competição com os prisioneiros que não se libertaram de suas correntes, para julgar essas sombras, estando ainda sua vista confusa e antes que seus olhos se tenham recomposto, pois habituar-se à escuridão exigirá um tempo bastante longo, não fará que os outros se riam à sua custa e digam que, tendo ido lá acima, voltou com a vista estragada, pelo que não vale a pena tentar subir até lá? E se alguém tentar libertar e conduzir para o alto, esse alguém não o mataria, se pudesse fazê-lo?

Glauco - Sem nenhuma dúvida.

Sócrates - Agora, meu caro Glauco, é preciso aplicar, ponto por ponto, esta imagem ao que dissemos atrás e comparar o mundo que nos cerca com a vida da prisão na caverna, e a luz do fogo que a ilumina com a força do Sol. Quanto à subida à região superior e à contemplação dos seus objetos, se a considerares como a ascensão da alma para a mansão inteligível, não te enganarás quanto à minha idéia, visto que também tu desejas conhecê-la. Só Deus sabe se ela é verdadeira. Quanto a mim, a minha opinião é esta: no mundo inteligível, a idéia do bem é a última a ser apreendida, e com dificuldade, mas não se pode apreendê-la sem concluir que ela é a causa de tudo o que de reto e belo existe em todas as coisas; no mundo visível, ela engendrou a luz; no mundo inteligível, é ela que é soberana e dispensa a verdade e a inteligência; e é preciso vê-la para se comportar com sabedoria na vida particular e na vida pública.

Glauco - Concordo com a tua opinião, até onde posso compreendê-la.

(Platão, A República, v. II p. 105 a 109)